Cristianismo e Homossexualidade: entre a militância contrária e o consentimento…

By | 10:00 Leave a Comment
C. S. Lewis

C.S.Lewis e o divórcio

Antes de deixar a questão do divórcio, gostaria de esclarecer a distinção entre duas coisas que geralmente se confundem. Uma delas é a concepção cristã de casamento; a outra, completamente diferente, é se os cristãos, enquanto eleitores ou membros do Parlamento, devem impor sua visão do casamento sobre o restante da comunidade, incorporando essa visão às leis estatais que regem o divórcio. Um grande número de pessoas parece pensar que, se você é cristão, deve tentar tornar o divórcio difícil para todo o mundo. Eu não penso assim. Pelo menos creio que ficaria bastante zangado se os muçulmanos tentassem proibir que o restante da população tomasse vinho. Minha opinião é que as Igrejas devem reconhecer francamente que a maioria dos britânicos não são cristãos, e, portanto, não se deve esperar que levem uma vida crista. Deve haver dois tipos distintos de casamento: um governado pelo Estado, com regras aplicáveis a todos os cidadãos, e outro governado pela Igreja, com regras que ela mesma aplica a seus membros. A distinção entre os dois tipos deve ser bastante nítida, de tal forma que se saiba sem sombra de dúvida quais casais são casados pela Igreja e quais não (LEWIS, Clive Staples. Cristianismo Puro e Simples. Livro III: Conduta Cristã. Capítulo 6: O Casamento Cristão).
Fico vislumbrado quando vejo um cristão com uma mentalidade tão simples e ao mesmo tempo tão espetacular! O fato de que o laicismo nasceu em berço protestante pode ser motivo de orgulho para muitos cristãos, especialmente os evangélicos. Mas a verdade é que hoje, no geral, eles continuam agindo politicamente no sentido de impor a moral cristã sobre as demais culturas presentes em nossa sociedade. Lamentável exemplo disso na atualidade política brasileira é a resistência militante da bancada cristã (apoiada especialmente por uma massa evangélica e católica) brasileira à liberação judicial para o casamento homossexual nos diversos Estados brasileiros.

A COSMOVISÃO JUDAICO-CRISTÃ

110971Todos sabemos que a cosmovisão judaico-cristã é basicamente contrária à homossexualidade ou a considera, no mínimo, um efeito da Queda, algo não originalmente estabelecido por Deus na Criação do mundo, seja ela tolerada ou não no seio da comunidade - o que varia de uma comunidade ou denominação para outra (algumas até mesmo ordenam ministros homossexuais). Entretanto, sabemos da mesma forma que, segundo as Escrituras judaico-cristãs, apesar do pecado humano (Queda), Deus permite que o homem continue vivendo no mundo que Ele mesmo criou e mantém existindo por sua Palavra poderosa (Hebreus 1.3). Ele não impede que seu sol nasça para justos e injustos e sua chuva abençoe a colheita de pessoas boas e más (Mateus 5.45).
Podemos dizer que Deus não impede que o homem viva, compre, case-se, se dê em casamento, pratique boas ou más obras, peque ou viva em santidade, não importando cor, nacionalidade, sexo ou opção sexual. Ou seja, de acordo com as Escrituras como um todo, na dinâmica política da relação soberana de Deus com a humanidade, Ele garante um direito básico de existência, livre arbítrio e aproveitamento de todos os seus benefícios dados na Criação a todos os seres humanos, não somente a cristãos ou judeus.

ALGUNS QUESTIONAMENTOS

porque2No entanto, por que os cristãos ainda se furtam a ser "imitadores de Deus, como filhos amados" (Efésios 5.1)? Se Deus permitiu a existência de TODOS os seres humanos e lhes garantiu o desfrute de TODAS as suas bênçãos presentes na criação, independentemente de serem pecadores, porque o cristão não pode permitir a existência de homossexuais na sociedade e/ou seu desfrute e conquista de direitos civis, políticos e sociais? Eles são mais pecadores do que os cristãos? Merecem menos as dádivas de Deus presentes na criação? O fato de Deus ter dito em Malaquias 2.16, "Eu odeio o divórcio", deve levar os cristão a militar contra os direitos do divórcio e dos divorciados? Por que então não militamos contra sistemas de empréstimo de dinheiro com juros, já que as Escrituras são claramente contrárias a isso? A questão não é que o Cristão deva ou não impedir tais práticas no seio da sociedade. Pelo contrário, ele pode - e talvez em alguns casos até deva - denunciá-las e censurá-las segundo as Escrituras como fez João Batista diante de Herodes (Marcos 6.18). O problema da bancada cristã é outro. Ela se acha investida de poder político garantido por uma massa de Cristãos católicos e evangélicos e se utiliza deste poder para impor a moral cristã a uma sociedade que não é unanimemente cristã. No final das contas, estamos agindo como a igreja católica da Idade Média, apesar de tanto criticá-la (tanto protestantes quanto católicos).
Mas do que estamos falando, afinal? Que os cristãos devem concordar com a homossexualidade, o divórcio ou o sistema de empréstimos? De maneira nenhuma! A questão é que, se desejamos um pluralismo efetivo em nossa sociedade, isso significa que cada cultura deva ser respeitada e livre para se manifestar social e culturalmente no seio da sociedade. Acredito que neste tipo de sociedade, o homossexual deve ser livre para viver sua homossexualidade e ter seus direitos garantidos em lei assim como o pastor ou o juiz cristão também devem ser livres para viver seu cristianismo e não realizar algum casamento, caso considere isso um pecado a partir de sua visão de mundo.
4Sinceramente não acredito que isso venha acontecer algum dia. Sou cético quanto aos pressupostos e interesses da marcha secularista brasileira. Para mim são ideológicos tanto quanto qualquer outro pressuposto e interesse religioso, acreditando num progresso inerente a uma sociedade que abandona seus deuses e religiões ou quer vai até as últimas consequências do relativismo cultural e do multiculturalismo. Qualquer substituto que o cristão possa colocar no lugar do pecado como causa do mal o levará também a ter que escolher um outro substituto para a salvação do mal no lugar de Cristo. Porém, isso não me impede de lutar ao lado de esquerdistas, libertários, marxistas ou secularistas (ou de me identificar como um se quiser) naquilo em que considero justo do ponto de vista Cristão. No fim das contas, estar desiludido quanto a seus pressupostos não nos dá o direito de continuar impondo a moral cristã sobre os homossexuais ou qualquer outro grupo cultural num âmbito político.

COEXISTÊNCIA V.S CONCORDÂNCIA

É importante ressaltar que não estamos falando de obrigatoriedade de celebração de casamento homossexual por pastores e padres (da mesma forma que eles não são obrigados a celebrar um divórcio, por exemplo, exatamente por que o consideraram um sacrilégio, segundo as Escrituras). Estamos falando do reconhecimento social de um tipo de matrimônio garantido por lei. Neste sentido, é importante lembrar que a igreja lutou por muitos anos, como na época de C.S.Lewis na Inglaterra, contra a liberação judicial do divórcio, o que foi legalizado e regulamentado posteriormente. A igreja, que tanto combateu o divórcio, tem de conviver atualmente com essa questão e, no entanto, não teve que se alterar teológica ou eclesiologicamente por causa disso. No entanto, gostaria de manter a discussão na base da dinâmica sociocultural e não da comparação de sacrilégios.
Logicamente, a questão da homossexualidade é um caso ainda mais urgente em âmbito social do que o divórcio o foi há alguns anos. Os divorciados não são um grupo social e/ou cultural que se identifica no seio da sociedade como tal e que precise reivindicar direitos sociais. Normalmente eles não são perseguidos socialmente por serem divorciados, a não ser por interessados em novos relacionamentos, é claro (kkk). Já os homossexuais possuem esta característica. Eles se identificam enquanto grupo sociocultural e reivindicam, entre outros direitos, o de contrair matrimônio e de não ser discriminados socialmente por sua homo afetividade.
Coexist2
Afinal, tudo isso não implica em CONSENTIMENTO, mas sim em COEXISTÊNCIA, uma atitude baseada no Amor. O princípio da Coexistência reside no evento do amor de Deus pela com sua Criação. Nem sempre Ele concorda com tudo o que o homem faz, produz ou pensa histórica e socialmente - e isto está muito claro nas escrituras -, porém a sua misericórdia não se afasta do homem, preservando e SUSTENTANDO (Hebreus 1.3) sua plena existência, deixando que o homem viva, aja e colha os frutos de sua vivência e ações sobre a terra. Se há necessidade de mudança na vida de um pecador, Jesus Cristo mesmo disse que é o Espírito de Deus quem convence o homem de sua condição pecaminosa, da justiça de Deus e de seu juízo sobre o pecado. A Igreja pode falar, censurar, apoiar ou discordar - e isso deve continuar sendo um direito garantido em lei -, mas não possui o poder de persuadir, convencer ou converter um coração. Só o Espírito de Deus fará isso e não devemos tomar o seu lugar. Se Deus quer que alguma mudança aconteça, não se desespere. Não é o seu esforço que dará cumprimento aos propósitos de Deus. Confie no Espírito. Ele faz isso melhor do que você!

j.m.s. Júnior

Postada em 27 de julho de 2013 no Blog "Estou em Obras".
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários: